quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Livro Usado

Todo mundo gosta de um livro novo. Ser o primeiro a lê-lo, a tocar em suas folhas. Mas eu tenho um carinho especial por livros usados.

Livro usado tem história. Alguém já o amou ou o odiou. Ele já fez alguém chorar. Um livro usado pode já ter feito uma viagem, ter andado de metrô. Um livro usado tem marcas.

O livro usado está próximo de mim porque já viveu. Não quero dizer que o livro usado é melhor que o livro novo. Eles são diferentes. O livro novo precisa de cuidados especiais, como uma criança; talvez, ele não receba bem críticas porque não está acostumado com elas. O livro novo pode levar uma lágrima ou uma risada demais em conta. O livro usado não. Como se conhece bem, sabe de seu próprio charme e seu humor, e sabe que nossas lágrimas podem durar o tempo de uma virada de página.

O livro novo ama de uma maneira arrebatadora e pode despertar ciúmes; o livro usado ama de uma maneira mais madura, torcendo para que esta seja a última e duradoura vez, mas está preparado caso ocorra uma mudança.

Mas, o que mais me fascina em um livro usado é que ele nunca esquece quem é. Pode ter sido usado como peso de papel, pode ter sido esquecido durante anos em alguma estante empoeirada; apesar disso, ele nunca perde sua essência, sus identidade. Seja como for, aconteça o que acontecer, ele continua sendo um livro.

Priscilla Figueiredo

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Prostituta

"Estou dilacerada, estou ferida
Eu sou miserável e estou envergonhada...

e "Prostituta" é como uma corrente em volta do meu pescoço, é o meu nome... "

Ela canta a canção da humanidade, a sua música, a minha múscia
Eles a arrastaram pela praça da cidade, arrastando-a pelos cabelos
Ela está chutando, gritando, lutando...


"Estou dilacerada, estou ferida
Eu sou miserável e estou envergonhado...
e "Prostituta" é como uma corrente em volta do meu pescoço, é o meu nome... "

Ela está prostrada
Estes cabelos emaranhados em todos os lugares
Enquanto ela chora no chão
Enquanto a poeira se transforma em lama no seu rosto
Ela está prostrada
Estes cabelos emaranhados em todos os lugares
Prostrada

"Oh, abra-se, abra-se o chão debaixo de mim!
Quanto tempo leva para apedrejar uma prostituta?
eu conheço a lei tão bem quanto eles e eu sou culpada, culpada
adúltera, e eu sei, eu sei, 
será que esse dia nunca vai terminar?
Quanto tempo leva para apedrejar uma prostituta?"

Enquanto isso a congregação dos justos está se aproximando
Eles estão prontos a apedrejá-la
E alguém daquela marcha frenética grita: vamos levá-la ao mestre!
Vamos testá-lo e ver o que ele dirá em uma confusão

Então eles estão levando-a pelos cabelos, arrastando-a pela praça da cidade
eles estão arrastando-a pelos cabelos...
E ela desistiu de lutar...
Ela está prostrada

"Estou dilacerada, estou ferida
Eu sou miserável e estou envergonhado...
e "Prostituta" é como uma corrente em volta do meu pescoço, é o meu nome...
É quem eu sou,

Oh, abra-se, abra-se o chão debaixo de mim!
Eu não deveria terminar desta forma
mas eu sou culpada e eu sei disso!
Eu tenho tantos planos, muito o que fazer
mas agora é tarde demais
Sou culpada e eu sei disso..."
Prostrada

-O que ele está fazendo?

"Enquanto a congregação dos justos me rodeia...
Eles estão prontos para me apedrejar
Mas me jogam aos pés de um mestre
Será que eu ouso olhar para cima?
Com certeza eles me trouxeram aqui para zombar de mim..."

Estes cabelos emaranhados em todos os lugares
Enquanto ela chora no chão
Enquanto a poeira se transforma em lama no seu rosto

Estes cabelos emaranhados em todos os lugares, ela está prostrada no chão...
E há um silêncio, e uma congregação

-O que ele está fazendo?
O tempo para!

Enquanto a corte do céu estava sentada
E havia um grande trono de julgamento
Havia uma prostituta, e ela sou eu...
Prostrada...


"Olhando através dos cabelos emaranhados e a lama nos meus olhos
Eu levanto meus olhos e só o que eu consigo enxergar
É que estou cercada de beleza que nunca vai ser minha
Então um arrependimento como uma onda esmagadora veio sobre mim
Se eu soubesse que essa beleza estava disponível
Se eu soubesse! Mas agora é tarde demais...
Então o acusador dos irmãos estava andando para frente e para trás, para frente e para trás

Enquanto ele derramava suas palavras ele ia pra frente e pra trás
Ele estava listando meus pecados um por um
E o pior, ele estava dizendo a verdade
Um por um
Ela fez isso, ela fez aquilo
E você conhece a lei
Ela é culpada, culpada, culpada
E você é justo, você nunca poderia aceitar alguém tão impuro como ela
Você é justo, e ela é somente uma prostituta, suja, imunda!

E uma multidão de testemunhas, e os anjos
Oh! Os anjos olhavam àquela cena...
Enquanto o acusador dos irmãos ia pra frente e pra trás
Alegria no seu olhar: Culpada! Culpada! Culpada!
E isso ressoava no corredor da eternidade como um trovão na minha alma!
Ele estava certo, eu era culpada, culpada à condenação eterna da minha alma...
E não havia nada que eu pudesse fazer

Prostrada...
Prostrada

Eu não podia nem abrir os olhos, o arrependimento era tão forte!
Mas uma mão tocou o meu ombro, uma mão no meu ombro
E eu ouço uma voz, como música aos meus ouvidos
Será que eu ousaria olhar pra cima?
Eu não conseguia levantar os olhos, mas tudo que eu pude ver foram aqueles formosos pés...
E eu ouvi aquela voz como música, música para a minha alma

Ele disse: "Pai, eu desejo que ela esteja comigo onde eu estou, mostre a ela a minha glória
Pai, eu desejo esta! Ela é minha, ela é minha, ela é minha!"
Ele estava intercedendo pela minha alma, ele estava pedindo ao meu favor!
Ele estava intercedendo por mim, eu não pude compreender, eu não entendia o que estava acontecendo
"Pai, eu desejo que tudo o que é meu seja dela, e tudo o que é dela seja meu!
Pai, Pai, eu desejo esta, esta, ela é minha! Ela é minha! Ela é minha!"

E todos no céu suspiram, sem acreditar
E eu abro meus olhos, e eu assisto com admiração
Este ficou de pé, lindo
Olhei para cima e havia um grande Trono, e lá estava o Pai
e ele tinha um cálice de cólera com o meu nome nele
Tinha o meu nome!

E eu estava prestes a subir para beber
Culpada, culpada, culpada
Mas eu assisti, sem acreditar, este lindo ser, ele caminhou para seu Pai
E bebeu do copo...


E antes que eu soubesse o que estava acontecendo ele bebeu do copo...
Ele bebeu do copo
Ele bebeu do cálice da ira do pai!
Bebeu do cálice do vinho do casamento
Ele bebeu do cálice com o meu nome nele
Ele bebeu do copo e todo o sangue...


Eu corri e fiquei de pé e corri até ele, mas já era tarde demais
Eu tentei impedi-lo, mas eu não sabia que era tarde demais
e todo o sangue, todo o sangue, e todo o sangue
devia ter sido eu, e eu estava chorando e chorando

e eu até esqueci onde eu estava, e eu caí com o rosto pra baixo,

E ao Pai agradou esmagá-lo
Mas já era tarde demais, eu comecei a implorar que deveria ter sido eu, devia ter sido eu
mas já era tarde demais!

Por que ele fez isso?

Mas já era tarde demais
E todo aquele sangue, todo aquele sangue

Eu estava chorando, chorando e chorando, devia ter sido eu, devia ter sido eu
Prostrada...

Por que ele fez isso? Devia ter sido eu!
Eu estava chorando e chorando, por que ele deu a sua vida, todo o seu sangue
Eu estava chorando e chorando...

E eu ouvi um sussurro como a música:
"O que é seu é meu, e o que é meu é teu"
Eu olhei para a esquerda, eu olhei para a direita

e eu estava em um mar de vidro como cristal
E havia uma grande congregação vestida de branco
de toda língua, de toda tribo, de todo povo
e a música começou e uma celebração eclodiu
E eu abri meus olhos, e lá estava o cordeiro, mas ele foi morto
e eu estava em um casamento e eu não podia acreditar no que meus olhos viam
E eu estava vestida com roupas, roupas lindas
e a música eclodiu, e os anjos cantam:

"Aleluia Aleluia"

E o coro começou
E eu olhei para fora e vi o cordeiro
com os olhos como fogo irradiando, irradiante com desejo
e ele disse:
"o que é seu é meu, e o que é meu é seu!
Levante e sente no trono, prepare-se, bela,
Suba, bela, suba bela!"

e dissemos com um só coração e uma só voz:

"Digno é o cordeiro de Deusque tira os pecados do mundo
Oh, digno é o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo!
Vamos casar com o cordeiro,

Aleluia, nós vamos casar com o cordeiro, para sempre amém!
E digno é o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo
digno é o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo
Aleluia Aleluia,Vai haver um casamento, vai haver um casamento!

Se preparem!
"O que é seu é meu, e o que é meu é seu"

Quem pode compreender onde isso vai dar?
Ele disse: levante-se, bela, levante-se, levante-se...


Misty Edwards

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O show mais lucrativo da nossa história

Eu não sabia o que fazer. O que dizer à minha esposa, aos meus filhos. E, ainda mais, a todos os que tinham saído de suas casas para virem comigo. Ninguém esperava aquilo. Oramos, pedindo que a situação se resolvesse.
Algumas semanas antes eu recebo uma ligação. Era um grande produtor de eventos na Argentina. Ele me diz que gostava muito do meu trabalho, e que tinha todos os meus CDs. Fiquei impressionado, mas a imagem ficou abalada quando perguntei qual era sua música favorita. Ele não soube me responder.
A seguir, ele começa a tratar com minha esposa as questões burocráticas, e tudo que envolvia realizar um grande show na maior casa de espetáculos de Buenos Aires. Ele queria a banda completa, toda a estrutura de som e luz. Em outras palavras, seria a maior apresentação de nossa história. Minha esposa ficou muito animada, e reservou a data que ele queria em nossa agenda. Seria uma ótima oportunidade de tocar para aquele público que tanto gostava de nós. Há bastante tempo não tocávamos em Buenos Aires, aliás, ainda não tínhamos lançado nosso novo álbum quando tocamos lá pela última vez. Todos ficamos animados. A notícia logo se espalhou, e os ensaios gerais começaram.
Preparamos um show especial. Tocaríamos músicas novas, do novo disco, e também músicas dos outros, incluindo muitas do nosso disco de natal, que lançamos dois anos atrás. A decoração envolvia temas natalinos, como a árvore de Natal que minha esposa desenhou para o centro do palco. Ficou tudo muito bonito. No dia anterior ao show, bem cedinho, embarcamos no ônibus da turnê para a viagem. Seria uma viagem longa, de mais de 8 horas, mas nada que algumas boas conversas e muitas brincadeiras não fizessem encurtar o tempo. Nos sentíamos uma família, acho que essa é a melhor palavra para descrever o clima da viagem.
Quando chegamos a Buenos Aires, fomos direto para a casa de espetáculos. Montamos o equipamento, e nos preparamos para o ensaio final. Tudo correu muito bem, melhor até do que esperávamos. No finalzinho do ensaio, minha esposa recebe uma ligação. Pela expressão na sua face, percebi que não era algo bom. Quando terminamos a última música, perguntei a ela o que acontecera. Ela, com lágrimas nos olhos, disse:
“O produtor quer cancelar o show”
Palavras são poucas pra expressar a frustração que todos sentimos. Não sabíamos o que, naquela história, era verdadeiro e o que era falso. O que foi prometido a nós não foi cumprido, e agora havia uma decisão a ser tomada. Conversamos com o dono da casa de espetáculos por um longo tempo, e ele nos disse que conhecia nosso trabalho. Na verdade, era um grande fã da nossa música. E por isso havia concordado em cobrar tão pouco pelo aluguel do lugar. Com muito pesar, ele se despediu de nós, e disse:
“É uma pena que você não vai fazer o show. O aluguel já está pago, mas o produtor não vai conseguir arcar com os custos da sua banda.”
Não acreditei no que ouvi. No final, o dinheiro ainda tomava conta de tudo! Me indaguei se aquilo era mesmo o propósito do que eu fazia. Conversei com minha esposa, com minha banda, e chegamos a uma conclusão: iríamos fazer o show de graça!
Sabendo disso, o dono da casa de espetáculos ficou impressionado. E conseguiu um contato na rede local de televisão, e o show foi anunciado no horário nobre. A entrada era gratuita, queríamos que todos tivessem acesso ao que tínhamos preparado.
Dia do show, tudo pronto, chegamos a tempo de ver as filas se formando do lado de fora. Havia gente por todos os lados. Famílias inteiras, crianças, idosos, todos ali para participar daquele momento especial. Foi o público recorde da história daquela casa de shows. Nunca antes a cidade de Buenos Aires havia visto nada parecido.
Aquele show foi especial para nós. A música que fizemos vinha do coração. Muito mais do que o dinheiro que poderíamos ter recebido, o nosso salário ali foi algo muito maior que o dinheiro. Foi o sorriso daquelas crianças quando acendemos as luzes da árvore, foi o abraço do casal e de seus filhos na hora das músicas de natal, foi o encantamento do casal de idosos que não assistiam a algo parecido há muitos anos. Enfim, o nosso salário naquela noite foi o mais alto de nossa vida inteira...

Felipe Aguiar
Inspirado no incidente acontecido com Coalo Zamorano e Alex Campos, que fizeram um show gratuito após o mesmo ter sido cancelado.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Meio litro de sangue

Olá, leitores do Guarda-Roupa!
Depois de bastante tempo sem novidades, estamos de volta!
Com todo fôlego!
Espero que gostem!


"Eu preciso de um tempo para pensar..."

Foi com essa frase que nosso pequeno Timothy causou estranhamento a todos nós. Ele tinha apenas oito anos, mas sempre pareceu precoce, à frente do seu tempo. Aos cinco anos de idade, estava escrevendo suas primeiras palavras, e foi um dos primeiros de sua classe a aprender a ler. Mas, agora, essa frase parecia tão inapropriada...

Naquele dia, a irmã mais nova, nossa filhinha Judith, sofreu um acidente grave em casa. Com apenas dois anos e meio, acabou de aprender a andar, e já queria correr. Quis descer a escada correndo, apesar de todas as nossas restrições quanto a isso. A queda foi feia, e ela perdeu muito sangue.
Seria preciso mais do que o estoque do hospital fornecia. O sangue de Judith era de um tipo difícil, e nenhum de nossos conhecidos dentro de um raio de 100km estava disponível ou era compatível...

Explicamos a situação para Timothy, de que sua irmã estava num estado grave, e que precisávamos que ele fizesse um teste sanguíneo. Ele tinha grandes chances de ser compatível, afinal era filho dos mesmos pais... 

Ele concordou, sem hesitar: "Claro! O que vai precisar, mamãe?"

"Vai ser somente uma picadinha de mosquito no dedo, querido. Não vai doer quase nada..."
Bem, como esperávamos, seu sangue era compatível. Mas a situação de Judith havia se agravado. Bem tarde da noite, ela teve uma outra hemorragia. Ela precisaria agora, de uma transfusão direta. Não era como é feito hoje, precisava ser transferido direto para ela, era a tecnologia que tínhamos na época, naquela cidade do interior...

Perguntamos ao Timothy: "Você aceitaria, filho, transferir seu sangue para a sua irmãzinha?"
E ficamos surpresos com a resposta: "Eu preciso de um tempo para pensar... Posso dar a resposta amanhã de manhã?"

De boca aberta, sem saber o que fazer, fomos para casa. Passamos boa parte da noite tentando contactar alguns amigos que poderiam ser compatíveis, mas não encontramos. Já era bem tarde, e quase não conseguimos dormir. Todos acordamos bem cedo, inclusive o Timothy.
Ele foi o primeiro a puxar o assunto enquanto corríamos com o café para ir de volta ao hospital:

"Mamãe, já decidi, vou doar meu sangue para a Judith"

Respiramos aliviados, e explicamos a ele que aquela atitude salvaria a vida da sua irmã. Ele disse: "Eu sei, mamãe. Eu gosto da Judith. Ela precisa viver..." E nos abraçou como se fosse a última vez...

Nosso pequeno menino, meio temeroso por causa de tantos equipamentos, sentava-se imóvel na cadeira da sala do hospital. Ainda com medo, fechou os olhos quando chegou a hora de colocar a agulha. Abriu rapidamente, mas voltou a fechar quando viu que o sangue estava saindo de suas veias. Apertou os olhos...

Enquanto isso, conversávamos com o médico. Ele nos dizia que havíamos demorado para fazer a transfusão, mas que as chances eram boas, já que havíamos encontrado um doador compatível. Nos assegurou que uma transfusão de sangue resolveria o caso da hemorragia, e então tudo estaria resolvido dentro de alguns dias. Explicamos que o Timothy tinha pedido um tempo para pensar, mas o médico parecia não acreditar que tínhamos pedido a opinião dele para um assunto tão grave! Dissemos que preferíamos assim...

Timothy continuava com os olhos fechados. A transfusão ocorrendo. Pensou na sua irmãzinha... Pensou nos seus pais... Pensou de novo na Judith, e nos momentos felizes no jardim brincando e fazendo piqueniques...

Depois de alguns minutos, o médico tocou seu braço silenciosamente, despertando-o do seu "estado de nervos". Ele, ainda nervoso fez a pergunta que fez toda a diferença para nós:

"Vai demorar quanto tempo pra eu começar a morrer?"

Então, entendemos tudo...

Felipe Aguiar

Adaptado de uma história contada por Jack Kornfield, no livro "Palavra por Palavra", de Anne Lamott

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Alguns cachorrinhos

          Era uma manhã de terça-feira. Estava a caminho do trabalho, em uma movimentada rua do Rio de Janeiro. A cidade em obras, um fluxo intenso de carros passava por aquela avenida tão tumultuada. Pessoas com pressa, pessoas mal-humoradas, pessoas individualistas. Eu estava pensando nos meus problemas, nos dilemas que fazem parte da vida de qualquer ser humano. Mas, em especial, uma coisa me incomodava. Na noite anterior, havia recebido o aviso prévio no meu emprego. Estava demitido...
        Uma cena, porém, me chama atenção. No meio de tantos arranha-céus e tantas construções por terminar, vejo uma cadela atravessando a rua, em meio a carros em alta velocidade. E mais, ela estava acompanhada de cinco filhotinhos, que a seguiam, atordoados com tanto barulho e movimento.
          Aqueles cachorrinhos estavam tão aflitos que pareciam não se mover. A sua mãe, uma cadela bonita e forte, atravessava a rua sem problemas, mas voltava seguidas vezes para buscar seus filhotes. Aqueles poucos segundos pareciam uma eternidade para aquelas criaturinhas, esmagadas de um lado e de outro pelos carros que passavam buzinando.
         Em meio a aquilo tudo estava eu. Distraído com o trânsito, eu estava pensando nas várias tarefas que deveriam ser feitas naquele dia, sem atrasos. Sem perceber, cheguei perto demais daqueles cachorrinhos, que se assustaram com o meu carro. Imediatamente, liguei as luzes de alerta, e freiei o carro, tomando cuidado para não causar um acidente. E foi aí que a confusão começou...
         O carro que vinha atrás, um outro motorista apressado, começa a buzinar e a piscar os faróis em minha direção. O barulho causava ainda mais medo nos cães, que latiam bem baixinho, pedindo por socorro. Aos poucos, eles foram se afastando da mãe, e se colocavam em pior situação ainda. Como não sabia o que fazer, saí do carro para tentar ajudar. O motorista de trás continua buzinando, e quando vê que saí do carro, tira o cinto de segurança, mostrando intenção de querer sair do carro também. Algumas palavras ininteligíveis saíram de sua boca, e sua face foi tomada por uma expressão de ódio e violência. Ele saiu do carro querendo tomar satistações comigo, procurando saber o porquê de eu estar atrapalhando todo o trânsito do local.
        Mas, não me dirigi a ele. Naquele momento, me dirigi aos cachorrinhos que atravessavam a rua. Quando o outro motorista viu que não me dirigia a ele, não estava querendo brigar, ele recuou. Só neste momento foi que ele viu o verdadeiro motivo da minha parada. E, então, acenou com a mão para mim, como que pedindo desculpas.
          Depois que os cachorrinhos estavam em segurança, eu voltei ao carro, e pude, finalmente sair com o carro. Abri passagem para os carros atras de mim, ainda tentando ser gentil. Alguns segundos depois, o outro motorista passa por mim, e acena com a mão. Abaixa o vidro, e pede desculpas: "Eu não sabia o que estava acontecendo, não vi a cena completa. Perdão..."
          Aquele episódio despertou algo em mim. Algo me dizia que o que eu estava vivendo era apenas uma parte da cena. Assim como aquele motorista reclamava, porque não conseguia ver o motivo de aquilo tudo estar acontecendo, eu também reclamava sem saber o que fazer nos próximos dias. A minha vida era muito mais do que aquela cena confusa no trabalho. Havia ainda muito mais para perceber.
Pensei no meu filho. Aquele ser que tinha me trazido tanta alegria, e que dependia de mim para fazer tudo. Pensei na minha esposa, mulher adorável que fazia os meus dias tão alegres e cheios de vida. Pensei na minha família, amigos, irmãos...
          Fui para o trabalho mais confiante aquele dia. Percebi que minha vida era muito diferente daquela que a situação estava me mostrando. E, logo chegou a boa notícia: uma proposta de emprego, muito melhor que aquele que eu havia acabado de perder.
          Decidi não buzinar mais quando um quadro confuso é pintado à minha frente. Decidi esperar para ver a cena completa. Ela é sempre melhor do que parece.

Felipe Aguiar

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Jornal Guarda-Roupa da Fé (2ª Edição)

Olá, queridos leitores do nosso blog!

Nosso jornal já está no Segundo Número! Leitores de todas as partes já estão por dentro das últimas novidades acerca de VIAGENS, tema dessa edição.
Você pode ler o jornal online, no link abaixo, ou entrar em contato para distribuir para seus amigos, família, igreja, turma, e tudo mais.
O nosso contato é: guardaroupadafe@gmail.com

Aguardamos você!

Guarda-Roupa da Fé - 2ª Edição

sábado, 23 de abril de 2011

Ano que vem em Jerusalém

Jonathan e Raquel correram apressados para levar a pequena Sarah ao hospital, quando mal tinha terminado o ultimo cântico - LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim – (No ano que vem em Jerusalém) que sempre marcava o fim do Seder de Pessach ( Ceia de Páscoa) e reafirmava a confiança na redenção do povo judeu.  A febre não havia cedido. Ao contrario, aumentara cada vez mais.
Alguns meses depois, a febre ainda continuava.  Uma leucemia feroz tomava conta não só do corpo de Sarah, mas da saúde emocional de toda família. Tudo girava em torno dela, da busca de tratamentos mais avançados, da espera de uma medula compatível que pudesse ser doada.
 Certa noite, Rachel estava especialmente exausta, e Jonathan a mandara passar a noite em casa.  Como um patriarca, sentia-se na obrigação de ser forte, mas a verdade é que estava completamente devastado. Seus pais haviam sobrevivido ao holocausto, ao horror de Auschwitz. Vieram para o Brasil. Passaram todo tipo de dificuldades e do nada fizeram fortuna. Mas toda a força do puro sangue judeu daquela família parecia sucumbir agora. E Jonathan, impotente diante daquela doença, sofria sentindo-se também um covarde.
Foi quando um homem desconhecido chegou ao hospital. Disse-lhe que estava orando em casa e tivera uma visão. O Senhor Jesus o enviara para orar pela cura de sua filha. Para que ele acreditasse, disse-lhe também que Deus havia lhe revelado que ele perdera seu kipa (boina judaica) naquela manhã, e por isso não fora a sinagoga.
Jonathan assustou-se, pois ninguém sabia deste fato. Mesmo assim, iria lhe dizer que era judeu convicto e não cria nesse Jesus. Mas o cansaço lhe venceu. Não tinha forças para sequer argumentar. E afinal, era mais uma tentativa...
Permitiu que o homem orasse por Sarah.  Após a oração, o homem lhe disse então que o poder de Yavé Rafá (Deus que Cura) estava no nome de Yeshua HaMashiach (Jesus, o Messias). Que sua filha acordaria desinchada e em poucos dias receberia alta. Que ela nunca mais teria problema algum no sangue.
Tudo sucedeu exatamente conforme sua palavra. E não só Jonathan, mas toda sua família se converteu ao cristianismo.
                    Quando uma nova Peshac (Páscoa) se aproximou, Jonathan tentou falar com todos os seus amigos da sinagoga. O número de Gamaliel foi o último número que tentou, na verdade o último de quem ele esperava alguma resposta. Gamaliel nunca fora do seu circulo de amigos íntimos, apenas um membro da sinagoga que chegara à colônia a pouco tempo, preparando-se para ser rabino. No entanto foi o único que lhe atendeu.
-Shalom (A Paz)! Estou ligando para lhe desejar uma boa ceia, afinal é Pessach.  E obrigado por me atender.
Gamaliel respondeu com mansidão que era um mitsva (mandamento) amar os irmãos, e que apesar de tudo, ainda o considerava um irmão. Disse-lhe que soubera de tudo que aconteceu a Sarah. Defendia que deviam dar tempo ao tempo, pois se isso fosse da parte de Yavé permaneceria. Caso contrário, Jonathan deveria retornar e observar o Torah (conjunto de leis judaicas) com mais diligência.
Jonathan agradeceu a atenção mais uma vez. Era a primeira Pessach desde sua conversão, e sentia-se ainda confuso com tantas mudanças. Passara a vida guardando o shabat (sábado), rezando pela vinda do Mashiac (Messias), pela reconstrução do terceiro Bet Hamicdash (Templo Sagrado). Mas tudo se fizera novo para ele.
Na Igreja lhe explicaram na que não havia problema em celebrar uma ceia de páscoa em casa, que apenas deveria acrescentar ao sentido da Pessach a lembrança do sacrifício e da ressurreição de Jesus. Sentia falta da comunidade judaica, mas agora experimentava a Shalom (paz) como nunca antes. Começava a perceber que, como aquele homem  que nunca mais vira, tinha também o dom de curar em nome de Yeshua , e na Unção do Ruach HaKodesh  (Espírito Santo) podia conhecer fatos passados e saber de outros que ainda aconteceriam.
 Sentia um desejo forte de ir para a terra de seus antepassados, à sua terra, e unir-se a uma comunidade de judeus messiânicos. Assim como os antigos neviim (profetas), desejava anunciar a inauguração da B’rit Hadashaá (a Nova Aliança). Tinha um chamado missionário, como explicaram a ele. 
Ao ver Sarah brincando, sem nenhum sinal da doença, seu coração enchia-se de alegria e gratidão. Decidiu que este ano, além de afikomans (doces judaicos próprios da Páscoa), ela e Bejamim, seu filho mais velho, receberiam pela primeira vez ovos de chocolate.
Sim, ele iria testemunhar aos irmãos judeus tudo que lhe acontecera. Anunciar que da raiz de Davi, já chegara redenção. Que o descendente de Abraão fizera bendita todas as famílias da terra. Que Yeshua salva e cura. Sabia que não seria fácil, talvez por isso recebera dons tão extraordinários, mas  acima de tudo, confiava em Yeshua.
Estava decidido e contava com apoio de Rachel. Esta seria sua última Pessach no Brasil.
LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim-   No ano que vem em Jerusalém. 

Lenise Freitas

LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim - No que vem em Jerusalém, milenar canto judaico que reafirma a confiança no restabelecimento do Reino de Israel e do Templo de Jerusalém; Seder- ceia ; Pessach- Páscoa; Kipa-  pequeno chapéu em forma de circunferência usado por judeus como sinal de temor a Deus;  Yavé Rafa- Cura de Deus;  Yeshua HaMashiach- Jesus, o Messias; Shalom – Paz;  Mitzvah – mandamento; Torah- Leis sagradas do judaísmo; Shabat- sábado; Bet Hamicdash- templo judeu;  Ruach HaKodesh- Espírito Santo de Deus; Neviim – profetas; B’rit Hadashaá- Nova Aliança ; Afikomans- doces destribuídos na Páscoa judaica.